SOBRE MINHA HISTÓRIA
A questão do que significa ser mulher e do que significa ser homem, tanto no âmbito pessoal quanto na sociedade, esteve presente na minha vida desde que eu era muito pequena. Apesar de nascer como uma linda menininha, biologicamente perfeita, fui criada como menino, e durante muito tempo essa foi a tônica da minha vida. Eu nunca tive dúvidas de que eu era do sexo feminino, mas a verdade é que “ser menino”, ou melhor, ser tratada como alguém do sexo masculino, e até confundida com tal, me foi conveniente durante muito tempo. Era mais seguro ser menino, era muito mais confortável. Principalmente depois que passei por uma experiência que me marcou de maneira triste e profunda, e que infelizmente não fui a única a vivê-la, já que ela se repete todos os dias, principalmente com meninas: na passagem da infância para a adolescência, lá pelos meus 11 anos, quando meu corpo começava a tomar forma de mulher, sofri abuso. Mais de um. E por homens de confiança da minha família.
Não tive como lidar com isso na época, e tentei me defender das dores reafirmando mais ainda as expectativas que tinham em relação a mim. Fui tentar agradar meu pai prestando vestibular para Administração de Empresas, a carreira que “um filho homem perfeito” faria (na minha cabeça, claro). Aos poucos, talvez por uma questão de sobrevivência ou autodefesa, os fatos dolorosos da minha puberdade foram sendo jogados para debaixo do tapete da inconsciência. Só relembrei aos 26 anos o que tinha acontecido na minha puberdade, e isso me ajudou a explicar o que sentia (mas não a me livrar): uma raiva inexplicada e uma agressividade gratuita. E enquanto eu tentava me proteger desse algo que não sabia o que era, buscava ser relevante no universo do mercado de trabalho, no qual, mais uma vez, “masculinizar-se” em atitudes e pensamentos era bom e resultava em ascensão de carreira e sucesso.
Trabalhei no mercado financeiro e me tornei uma executiva bem-sucedida no mundo corporativo, mas também fui buscar meu caminho de cura. Encontrei duas duas grandes vertentes: a primeira foi me autorizar a ser mulher. Fiz terapia para tratar do trauma, e também fui atrás de aprender mais sobre o que era isso fazendo cursos, frequentando grupos de mulheres, participando de workshops de sagrado feminino, estudando, lendo muito, e usando a mim mesma como laboratório de descobertas. O segundo caminho foi justamente espiar o outro lado, ou seja, fui procurar entender os homens. E o que encontrei foi algo que mudou minha visão e inaugurou um universo de possibilidades. O que acontece do lado de lá? Por que eles são como são? Do que deriva seus comportamentos, tantas vezes agressivos, violentos e abusivos? Qual é a jornada que possibilita essa conformação? E mais: como estamos nos aproximando – ou nos distanciando – deles em nosso dia a dia?
Foi na busca de entender mais sobre como homens e mulheres coabitam espaços de trabalho, de família, de relacionamentos, de amizade, de afeto, e do quanto estamos juntos para criar relações melhores que percebi que pisamos em um terreno de muitos problemas de comunicação, o que cria ambientes de pouca confiança, muito medo e um abismo que nos deixa muito distantes e divididos. E de que adianta pensar que de um lado estão os homens, quase como algozes, sentados em seus tronos de poder, e do outro estão as mulheres, em uma luta desigual por seus direitos que parece não ter fim? A situação de divisão causava dor para mim e para todos. Era preciso haver uma solução, uma síntese.
Isso me motivou a estudar mais e mais e a me aprofundar no entendimento de como homens e mulheres funcionam na sua natureza, e também como os aspectos masculino e feminino dentro de homens e de mulheres podem ajudar no autoconhecimento. Busquei formação e certificação com pessoas de referência na área, como Michaela Boehm, David Deida, Humberto Maturana, John Gray e outros e comecei a divulgar, sistematicamente o que eu aprendi a respeito. Comecei fazendo coaching e palestras para ajudar pessoas na minha própria equipe, passei a atuar em carreira solo como coaching e palestrante para outras empresas e profissionais, e acabei desenvolvendo uma metodologia. Minhas ideias ganharam um âmbito mais amplo e subi no palco do TEDxSão Paulo para falar sobre o assunto e escrevi e publiquei meu primeiro livro.
Quando achei que havia superado as barreiras que sempre tinham me impedido de ir mais longe, eis que recebo o diagnóstico que ninguém quer ouvir: câncer. Durante todo o tratamento, que se revelou a maior e mais dura jornada que enfrentei até então, pude rever de fato todos os meus valores e pensar em todas as pessoas que passam por situações de vida ou morte. O que de fato importa, e quem de fato importa na vida ficou cristalino e claro para mim. Decidi que minha prioridade seria auxiliar as pessoas a também superarem suas barreiras mais difíceis, a não conformar-se com dificuldades e a melhorarem o entendimento de suas diferenças, pois o que consideramos “normal” não existe. Nossa maior riqueza está justamente em nossas diferenças. Hoje estou curada e feliz em fazer o melhor sei fazer: ajudar as pessoas a serem elas mesmas, acolhidas em suas diferenças, para poderem conviver com mais paz, respeito e harmonia neste mundo.